sábado, 7 de novembro de 2015

SECA: Natal vive descolada da realidade do interior

7 de novembro de 2015 — por Daniel Menezes

Os reservatórios do nordeste atingiram 7,8% da sua capacidade de armazenamento. No Rio Grande do Norte, das 157 cidades já temos 12 em total colapso, ou seja, não cai um pingo sequer das torneiras e 79 vivem em sistema de rodízio. Dos 157 municípios, 153 estão com decratação de calamidade em decorrência da escassez de água. Só temos 20% da nossa possibilidade de água guardada e 40% dos reservatórios secaram ou estão na reserva técnica do volume morto.
Diante de um quadro tão assolador por qual razão a agenda da seca não comove os moradores de Natal? Tão impressionante como o esvaziamento de gargalheiras em Acarí, do Itans em Caicó e até da imensa barragem Armando Ribeiro em Assú, é a forma como está sedimentada uma nítida assimetria entre a capital e o interior.
Nas minhas pesquisas eleitorais, constato com o “problema da água” só sensibiliza quem o vive diretamente. Em Natal, o número de cidadãos que alegam ser a seca o nosso principal problema no RN atinge o nível do ridículo, ao passo que ele se apresenta como fundamental, na medida em que ingressamos nos grotões do RN e cidades com centralidade regional. A capital vive uma abundância no quesito em pauta incompatível com as condições estaduais. Quem não tem parentes, não tem ligações com municípios que convivem com o cenário adverso simplesmente desconsidera o contexto.
UNIVERSIDADES E A SECA
A “alienação” diante do problema não se restringe ao cidadão natalense atomizado. A agenda também não é mobilizada e trabalhada pelas instituições com possibilidades civilizatórias para tanto. Nas universidades, por exemplo, o assunto é pouco debatido. Alias, há uma inversão, que é sintoma da forma como os professores e pesquisadores universitários vivem colonizados por uma pauta europeia e/ou americana. A chamada discussão de direitos “pós-materialistas” (livre expressão de diferenças) ganha centralidade, sem que uma base de igualdade mínima tenha sido reconhecida e estabelecida. É isto o que leva as pessoas se incomodarem, quer seja defendendo ou condenando, muito mais com uma questão de gênero numa prova do ENEM do que com a falta da água no interior.
Em uma conversa com um militante de esquerda, ele me dizia que os moradores de Caicó não se preocupavam com a questão da reforma política. Sua descrição era de condenação. É esta estranha hierarquia que tento apresentar, pois o agente político não se toca que reforma política não é urgência para quem está sem água.
O PAPEL DO GOVERNO
O governo pouco se movimenta também no sentido de ir além da ideia de redistribuir água e encaminhar a logística de envio de carros pipa. A impressão que fica é que há um receio de “mexer” com os moradores da capital e arcar com um possível ônus de “levar a seca para Natal”.
Talvez esteja no cálculo político perigoso e com consequências imprevisíveis que faz com que o governo procure a inércia, ao invés de fazer uma grande mobilização em prol da economia de água, incentivo fiscal para quem compra descarga ecológica, medidas educativas voltadas para o armazenamento alternativo, multas para aqueles que desperdiçam, incluindo também Natal.
OS PROGRAMAS SOCIAIS
A agenda da seca também não ingressa com força em Natal em decorrência dos programas sociais. Pela primeira vez na nossa história, enfrentamos uma seca sem precedentes sem que os canteiros dos sinais fiquem cheios de famílias e saques aos armazens de comida e mercadinhos ocorram. O programa Bolsa Família cria um cinturão mínimo de proteção.
O fato é que este anteparo tem data de vencimento, pois se há recursos mínimos para a compra de mantimentos, já mais caros, não é possível fabricar água. E quando a água acabar – e, de acordo com a previsão para os próximos anos, ela vai acabar -, as pessoas virão para a capital aplacar a sede. Talvez, neste momento, nos lembraremos que Natal não é uma ilha dentro do Rio Grande do Norte e seremos pegos de surpresa.
ENGODO
Alguns deputados estaduais estão alegando por aí que a transposição do Rio São Francisco poderá minimizar os efeitos da seca. É cômico – e trágico – ler que fulano ou beltrano cobra a aceleração do grande empreendimento. Ora, ainda que concluída, não há hoje água para transpor. O velho chico está no volume morto. E se a água chegar, não existe infraestrutura, como saneamento e estações de tratamento, para recepcionar a água. Engodo sinalizador da total carência de soluções realistas.


Leio original em O Potiguar.

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