sexta-feira, 7 de junho de 2013

O Bode Expiatório das Emissões de Carbono

Setor elétrico não pode ser confundido com setor de energia, principalmente quando o assunto se referir às emissões de carbono.

Cláudio Sales, do Instituto Acende Brasil, Artigos e Entrevistas

O setor elétrico brasileiro precisa enfrentar a campanha de desinformação que se constrói ao redor da falsa correlação entre o chamado "setor de energia" e as emissões de gases de efeito estufa.

É necessário interromper o uso de setor de "Energia" na comunicação de emissões de carbono porque dentro dessa categoria estão incluídas fontes de energia de origem não elétrica (gás natural, derivados de petróleo e carvão mineral) utilizadas nos setores de transportes, residencial, comercial, agropecuário, público e industrial. Em outras palavras, "setor de energia" e "setor elétrico" não são sinônimos.

Esta infeliz confusão terminológica conduz a um cenário onde a solução para o problema das emissões nacionais não é produzida porque o diagnóstico é falho e os maiores responsáveis pelas emissões não são apontados.

Tudo começa pela falta de percepção de que a realidade do setor mudou em relação a um passado recente. Na década de oitenta, a energia elétrica era produzida praticamente a partir dos rios e a água acumulada nos reservatórios das usinas hidrelétricas era suficiente para fornecer energia elétrica por quase dois anos. No entanto, a partir da década de noventa, o aumento das preocupações socioambientais e a própria topologia dos aproveitamentos hidráulicos remanescentes contribuíram para que as hidrelétricas passassem a ser projetadas e construídas com reservatórios menores.

Com a mudança na concepção das usinas e o aumento do consumo de energia, nos dias atuais a energia estocada nos reservatórios supre a demanda de poucos meses. Assim, se a capacidade de armazenamento de água é pequena, como atender à necessidade de energia elétrica na falta de chuva e por períodos mais longos? Há duas formas. A primeira consiste em construir mais usinas de fontes renováveis (hidrelétricas, termelétricas a biomassa e eólicas, essencialmente), usinas que seguem dependendo de fatores climáticos (disponibilidade de água, biomassa e vento).

A segunda forma consiste em construir usinas termelétricas para funcionar, inclusive, nos momentos em que faltam chuva, biomassa ou vento, uma vez que seus combustíveis não dependem de fatores climáticos. Esta alternativa tem sido adotada recentemente no Brasil, até pela intensa pressão socioambiental contra hidrelétricas. E, independentemente de vontades e preferências dos mais diversos grupos de pressão, se não fossem as termelétricas nossa situação atual de oferta, que já é desconfortável, estaria seriamente comprometida.

O problema é que o aumento do parque termelétrico gera dois desafios intrínsecos, mesmo quando os projetos são bem concebidos e executados: o custo do combustível (carvão mineral, óleo combustível ou gás natural) e o aumento das emissões de gases de efeito estufa. Isto dito, em um momento em que o mundo busca reduzir as emissões de gases de efeito estufa, estaria o Brasil caminhando em sentido contrário ao optar por fontes de energia que aumentam as emissões? A resposta é um firme "não" porque o papel das termelétricas precisa ser mais bem compreendido e comunicado.

No Brasil, as termelétricas funcionam prioritariamente nos períodos de seca (quando os reservatórios hidrelétricos estão baixos) e de "ponta" (períodos onde há alta demanda por energia). Com este perfil de operação, as emissões das termelétricas no Brasil responderam, em 2005 (último dado oficial disponível), por 26,4 milhões de toneladas de gás carbônico (1,2% das emissões totais de gases de efeito estufa). Segundo estimativa do Instituto Acende Brasil, em 2012 elas emitiram 30,7 milhões de toneladas de gás carbônico equivalente.

Se as termelétricas nacionais mantiverem o regime de operação dos últimos seis meses, a expectativa é que em 2013 elas emitam o equivalente a 60 milhões de toneladas de gás carbônico por ano. Isto significaria que, mantida a estimativa do Ministério do Meio Ambiente de 1.584 milhões de toneladas de gás carbônico em 2011, o setor elétrico representaria cerca de 3,8% das emissões totais. Um patamar muito inferior à média mundial, onde as emissões provenientes da geração de energia elétrica respondem por 28,8% das emissões totais.

Expostos os números acima, não deixa de ser chocante ouvir alguns afirmarem que, devido à atual operação da totalidade do parque termelétrico nacional (para preservar água das hidrelétricas cujos reservatórios atingiram níveis criticamente baixos), as emissões do setor elétrico teriam ultrapassado as emissões do desmatamento no Brasil. Esta hipótese é materialmente impossível.

Segundo dados do Instituto Nacional de Pesquisa Aeroespacial (INPE), as emissões em 2012 do desmatamento só na Amazônia totalizaram 352 milhões de toneladas de gás carbônico por ano. Neste valor não estão consideradas as emissões decorrentes do desmatamento de outros biomas (cerrado, pantanal e Mata Atlântica). Isto quer dizer que, isoladas, apenas as emissões decorrentes do desmatamento na Amazônia já seriam 5,9 vezes maiores que as emissões de todas as termelétricas nacionais. É, portanto, impossível que o setor elétrico emita mais gases de efeito estufa que as ações ligadas ao desmatamento.

Precisamos comemorar o fato de que houve uma queda de 83% no desmatamento nos últimos oito anos. Mas daí a deslocar a responsabilidade pelas emissões de gases de efeito estufa para o setor elétrico há uma grande distância.

É preciso acabar com a confusão terminológica e atribuir as responsabilidades aos setores que de fato contribuem para as emissões de gases de efeito estufa no Brasil. O imobilismo de alguns e o oportunismo de tantos outros não podem comprometer a política de expansão e de operação do setor elétrico nacional, um setor que, além de ser baixo emissor, precisa ser baseado numa matriz formada por fontes complementares entre si.

A segurança energética e a competição saudável entre fontes de energia não podem ceder espaço para preconceitos infundados.

Claudio J. D. Sales é presidente do Instituto Acende Brasil
(www.acendebrasil.com.br)

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