sábado, 20 de março de 2010

A Física da Modelagem Climática

Abaixo postamos um artigo que traduzimos do inglês. A publicação foi autorizada pelo autor, Dr. Gavin A. Schmidt, climatologista da NASA, trabalhando no Instituto Goddard para Estudos Espaciais, a quem ficamos agradecidos.



A Física da Modelagem Climática

Por Gavin A. Schmidt, janeiro de 2007


O clima é um fenômeno de larga escala que surge de interações complicadas entre sistemas físicos de pequena escala. Mesmo assim, apesar da complexidade desse fenômeno, os modelos climáticos têm apresentado resultados de um impressionante sucesso.

Projeções climáticas feitas a partir de sofisticados programas de computadores têm informado os gestores públicos do mundo acerca dos potenciais perigos da interferência humana com o sistema climático da Terra. Esses programas buscam modelar uma grande parte do sistema. Mas, qual é a física que entra nos modelos?
Como são avaliados os modelos? E quão confiáveis eles são?

A tarefa para a qual os modeladores do clima se propuseram é usar o conhecimento que eles tem das interações locais de massas do ar, água, energia e momento e, a partir deste conhecimento, explicar as nuances de larga escala do clima, sua variabilidade e resposta às pressões externas, ou "forçantes". Esta é uma tarefa formidável, e apesar de estar longe de ser completa, os resultados obtidos até agora tem sido surpreendentemente bem sucedidos. Por isto, os climatologistas tem a confiança de que suas iniciativas não são à toa.

A modelagem climática surgiu dos esforços de formular, inicialmente no anos 1920, a previsão numérica do  tempo. Todavia, somente nos anos 1960 é que os computadores eletrônicos começaram a ser capazes de atingir as extensivas demandas numéricas de um simples descrição dos sistemas do tempo. Desde então, cada vez mais foram adicionados componentes  aos modelos climáticos - terra, oceanos, gelo e, mais recentemente, aerosóis atmosféricos, a química da atmosfera e representações do ciclo de carbono. De fato, uma parte significante do trabalho interdisciplinar necessário para compreender  a mudança do clima tem sido guiado pelos desenvolvimentos dos modelos climáticos. Os modelos atuais são ferramentas flexíveis que podem responder a um amplo leque de questões, porém a certo preço: eles podem ser tão difíceis de analisar e de compreender quanto o mundo real.

Física Básica, Comportamento Emergente

A física de modelos climáticos pode ser dividida em três categorias. A primeira inclui princípios fundamentais como a conservação da energia, de momento e de massa, e processos, tais como o da dinâmica orbital, que podem ser determinados a partir dos princípios fundamentais. A segunda inclui física muito conhecida na teoria, mas que na prática deve ser aproximada devido à discretização de equações do contínuo. Exemplos incluem a transferência de radiação através da atmosfera e as equações de Navier-Stokes para o movimento de fluidos. A terceira categoria contém física que é conhecida empiricamente, tais como fórmulas para evaporação como função da velocidade dos ventos e da umidade.

Para as duas últimas categorias, os modeladores frequentemente desenvolvem parametrizações que tentam capturar a fenomelogia fundamenta de um processo de pequena escala. Por exemplo, a cobertura média de nuvens dentro de uma caixa com 100 km2 não é claramente relacionada à umidade dentro da caixa. No entanto, à medida que a umidade média cresce, a cobertura média de nuvens também cresce. Esta relação monotônica pode ser tomada como a base de uma parametrização, embora os esquemas atuais sejam significativamente mais complexos do que este meu exemplo.

Dada a natureza das parametrizações entre outros aspectos, um modelo climático depende de várias especialidades. Desde modo, cada modelo possui detalhes que lhes são únicos. Todavia, grande parte do comportamento de larga escala previsto por modelos climáticos é robusta, na medida em que ele não dependem significativamente das especificidades da parametrização e da representação espacial.

A propriedade mais interessante do sistema climático é a emergência. Isto é, os fenômenos de larga escala não são simplesmente funções triviais da física de pequena escala, mas são resultados da complexidade do sistema. Por exemplo, nenhuma fórmula descreve a Zona de Convergência Intertropical que surge de um combinação da sazonalidade do ciclo de radiação solar, das propriedades de convecção de umidade, da rotação da Terra, e assim por diante. As qualidades emergentes fazem com que a modelagem climática seja fundamentalmente diferente da resolução numérica de equações delicadas.

A modelagem climática também é fundamenalmente diferente da previsão de tempo. O tempo meteorológico é um problema de valor inicial: dada a situação de hoje, qual é a situação de amanhã? O tempo meteorológico é caótico: diferenças imperceptíveis no estado inicial da atmosfera conduzem a condições radicalmente distintas depois de uma semana ou mais. O clima por sua vez é um problema de condições de contorno - uma descrição estatística do esta médio e da variabilidade de um sistema, e não uma trajetória individual através do espaço de fase. Modelos climáticos atuais produzem climas estáveis e não caóticos. Isto significa que questões a respeito da sensibilidade do clima a, por exemplo, o aumento dos gases de efeito estufa, são bem postas e podem ser justificadamente feitas aos  modelos. Entretanto, à medida que mais componentes - como complicados sistemas biológicos e a dinâmica completa das camadas de gelo, por exemplo - são incorporados, as possibilidades de reações contrárias aumentam e passa ser concebível o surgimento de climas caóticos.

Testando Modelos Climáticos

A avaliação de modelos ocorre em dois níveis distintos - a escala menor, na qual se avalia as especificidades de uma parametrização, e a escala maior, na qual as características emergentes previstas podem ser testadas. O teste primário básico é o clima atual, particularmente a partir de 1978, quando dados significantes de satélites começaram a se tornar disponíveis.

A erupção do Monte Pinatubo, em 1991, se transformou em um bom laboratório para teste de modelos (veja a figura). Não apenas o resfriamento global subsequente de cerca de 0,5 ºC foi precisamente previsto logo após a erupção, como as respostas de radiação do vapor de água e da dinâmica incluidas no modelo foram quantitativamente verificadas.

Mais de uma dúzia de equipes pelo mundo afora desenvolvem modelos climáticos, e a capacidade de simular o clima atual tem melhorado significativamente nos últimos 20 anos. Curiosamente, a média de todos os modelos produz resultados melhores do que um modelo particular, mostrando que os erros nas simulações são surpreendentemente não tendenciosos. Tendências significativas comuns à maior parte dos modelos de fato existem - por exemplo, nos padrões de precipitação tropical.

Os modeladores de clima estão particularmente interessados em testar a variabilidade de seus modelos. Boa parte desta variabilidade é intrínseca, mas os modeladores também estudam a variabilidade causada por forçantes externas, como as órbita da Terra ou a atividade solar.  Estes estudos se tornam complicados devido às observações incompletas, à natureza dos dados de satélites, às incertezas nas forçantes e outros problemas.

A comparação mais completa de modelos já realizada está sendo atualmente feita, usando simulações que foram realizadas em 2004 e 2005 para o Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas. As simulações realizadas para o século 20 e a posteridade estão sendo examinadas por centenas de equipes independentes que avaliarão a robustez dos resultados e ajudarão a esclarecer os problemas persistentes.

Várias questões climáticas desafiadoras continuam sem respostas. Exemplos incluem como as condições climáticas influenciam o El Niño, como respostas podem ser previstas em escala regional e como simulações de eventos raros, extremos, tais como furacões e ondas de calor podem ser validados. Tais questões podem requerer melhores representações de, por exemplo, comportamento turbulento na atmosfera próximo à superfície, efeitos dos turbilhões oceânicos, ou da microfísica das nuvens e dos aerosóis. A implementação de parametrizações mais sofisticadas e o crescente aumento na resolução à medida que os recursos computacionais crescem, sugerem que os modelos continuarão a melhorar. Porém, muitos resultados, como o efeito do aquecimento devido ao aumento dos gases de efeito estufa que fora inicialmente demonstrado em modelos mais simples há décadas atrás, foram comprovados serem extremamente robustos.

Modelos climáticos são inigualáveis na capacidade de quantificar hipóteses que, de outro modo, seriam qualitativas, e de produzir novas idéias que podem ser testadas frente às observações. Estes modelos estão longe de serem perfeitos, mas eles têm tido grande sucesso em capturar os aspectos fundamentais das circulações da atmosfera, dos oceanos e do gelo marinho, e suas variabilidades. Portanto, os modelos climáticos são ferramentas extremamente importantes para estimar as consequências das audaciosas experiências humanas conduzidas no planeta.

Figura. A erupção do Monte Pinatubo nas Filipinas produziu
aerosóis que afetaram o clima durante anos e ofereceu 
aos modeladores de clima uma oportunidade sem precedentes
para comparar modelos com observações. 
Crédito da fotografia: Dave Harlow
Foto cedida ao autor pela US Geological Survey


 O gráfico superior mostra a concentração de aerosóis atmosféricos
medidos pela profundidade ótica, representando uma indicação da
capacidade da atmosfera no bloqueio da transmissão de radiação
(neste caso, em 500 nm). A linha sólida preta mostra a média global, 
enquanto as curvas tracejadas mostram representam os hemisférios 
Norte (vermelha) e Sul (azul). O gráfico inferior mostra a temperatura
média global da superfície. As curvas verdes e púrpura foram geradas 
a partir de dois conjuntos de dados observacionais distintos. A curva vermelha
mostra a média de cinco rodadas de simulações do modelo de circulação global
E do GISS. Os círculos indicam junho-agosto e os asteriscos dezembro-fevereiro.
(Gráfico adaptado de Hansen et al.)
Referência

Hansen, J., Mki. Sato, R. Ruedy, P. Kharecha, A. Lacis, R.L. Miller, L. Nazarenko, K. Lo, G.A. Schmidt, G. Russell, I. Aleinov, S. Bauer, E. Baum, B. Cairns, V. Canuto, M. Chandler, Y. Cheng, A. Cohen, A. Del Genio, G. Faluvegi, E. Fleming, A. Friend, T. Hall, C. Jackman, J. Jonas, M. Kelley, N.Y. Kiang, D. Koch, G. Labow, J. Lerner, S. Menon, T. Novakov, V. Oinas, Ja. Perlwitz, Ju. Perlwitz, D. Rind, A. Romanou, R. Schmunk, D. Shindell, P. Stone, S. Sun, D. Streets, N. Tausnev, D. Thresher, N. Unger, M. Yao, and S. Zhang 2006. Climate simulations for 1880-2003 with GISS modelE. Climate Dynam., 29, 661-696, doi:10.1007/s00382-007-0255-8.

Artigo original disponível em: 
http://www.giss.nasa.gov/research/briefs/schmidt_04/

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